WELLINGTON BARROS EXPLICA OS RISCOS DO ENSINO À DISTÂNCIA PARA OS CURSOS DE FARMÁCIA


Com a liberação do MEC para que instituições de ensino ofereçam cursos de Farmácia à distância, milhares de vagas foram abertas em todo país. No entanto, isso trouxe efervescência à discussão sobre os riscos que a formação de profissionais da saúde sem treinamento prático pode trazer à população. Com o intuito de expandir essa discussão, o Conselho Regional de Farmácia de Sergipe (CRF/SE) entrevistou o farmacêutico Prof. Dr. Wellington Barros da Silva para compreender melhor os motivos da reprovação quanto a essa modalidade de ensino. Confira a opinião do profissional:

 

CRF/SE - Quais os problemas intrínsecos ao aumento de cursos EaD na área da farmácia?

WBS - Há dois grandes problemas, o primeiro impacta diretamente na qualidade da assistência prestada à população e o outro, afeta internamente a categoria farmacêutica.

Nós observamos uma tendência clara do atual governo de incentivar o aumento do número de pessoas com diploma universitário no país da forma mais rápida possível e com o menor custo para o estado, daí a "solução" de estimular a abertura de vagas de educação à distância (EaD), principalmente em instituições de ensino privadas. A solução que pode parecer simples e democrática de um lado, quando, na verdade, vende uma ilusão, ao mesmo tempo em que coloca a saúde das pessoas em risco, na medida em que não estabelece uma diferenciação entre os cursos que poderão ser ofertados integralmente na modalidade à distância. Os critérios e exigências de qualidade para esses cursos não são tão rígidos como acontece com os cursos presenciais e, neste sentido, observamos a perspectiva real de cursos de má qualidade formando mal e disponibilizando para o mercado de trabalho profissionais pouco qualificados, o que coloca em risco a saúde pública. Afinal de contas, em cursos eminentemente práticos como o são os cursos da área da saúde, nos cursos EaD não teremos como garantir a formação prática que é fundamental para treinar as habilidades técnicas do profissional. O risco neste caso é de termos o aumento de erros e imperícias de profissionais totalmente despreparados por que não obtiveram o treinamento necessário. Em um país onde a maior causa de mortes na área da saúde se dá por conta de erros médicos, erros com medicações e outros procedimentos inadequados, este novo fator nos preocupa.

 

CRF/SE - O que os cursos EaD implicam na educação de cursos da saúde?

WBS - A autorização do Ministério da Educação liberando inclusive os cursos da área da saúde na modalidade 100% EaD é um escândalo, principalmente quando observamos que em nenhuma grande nação civilizada tal medida foi adotada. De fato, isto é algo inédito em termos de política para a educação superior - fomentar a abertura destes cursos sem criar nenhum tipo de mecanismo de controle da qualidade dos cursos e dos profissionais formados. Inclusive, não se permite a diferenciação entre o profissional formado em um curso presencial daquele formado à distância, pela internet, o que é uma forma a nosso ver, de impedir a população e o mercado de trabalho de ter acesso à informação e de poder selecionar melhor o profissional. Além disso, o aumento sem critérios no numero de vagas implicará em um grande contingente de profissionais na verdade semiprofissionalizados, formados por instituições precárias.

 

CRF/SE - Como um profissional formado por um ensino à distância pode ser capacitado na prática para um atendimento de qualidade?

WBS - Nós não somos contrários à incorporação das tecnologias educacionais na formação profissional, no entanto propugnamos que há aspectos da formação na saúde que exigem o treinamento prático. Há cursos eminentemente práticos como é o caso da Farmácia, da Enfermagem, da Medicina, Odontologia, enfim, todos os cursos da área da saúde. Nestes cursos, é imprescindível que o aluno ponha a mão na massa. Imagine um estudante de farmácia ou de enfermagem que nunca treinaram a aplicação de uma injeção?! Ou imagine você morar em uma casa ou prédio que foi projetado por um engenheiro que só "aprendeu" a construir coisas na teoria? Este é o risco real do EaD que alertamos a sociedade. Mesmo na hipótese de uma parte do ensino ser à distância, não dá para formar um profissional da saúde sem prática real. E esta prática tem que ser presencial. Qualquer coisa diferente disso é uma enganação.

 

CRF/SE - Qual a maior diferença de resultado entre o curso presencial e o ensino à distância?

WBS - A  experiência e o treinamento prático que o ensino 100% EaD não oferece, neste caso porque o governo federal, ao liberalizar a abertura de vagas de ensino à distância, não estabeleceu critérios que garantam uma formação de qualidade e o investimento necessário para esta formação.  Formar um bom médico, um bom farmacêutico ou um enfermeiro custa caro, significa investimento em tecnologia para que este profissional disponha de recursos suficientes para treinar habilidades e desenvolver competências exigidas para prestar um atendimento com qualidade, reduzindo os riscos de erros em função da imperícia profissional.

 

CRF/SE - Que riscos a população corre com a formação de Farmacêuticos por um ensino a distância.

WBS - O risco de ficar exposta à imperícia e aos erros de profissionais mal formados. A profissão farmacêutica, pela sua amplitude de atuação em áreas altamente especializada requer profissionais preparados. Imagine o risco de não poder confiar no laudo de um exame laboratorial emitido por um profissional que nunca colocou os pés num laboratório de Análises Clínicas? Ou de utilizar um medicamento ou cosmético preparado por alguém que nunca praticou a formulação e preparação de medicamentos? Ou mesmo ser atendido por quem não fez sequer um estágio? Então, há sim riscos reais que implicam na saúde de toda a população e em relação a isto nós não podemos nos calar. Enquanto no mundo inteiro os governos criam barreiras para impedir que a população fique expostas a imperícia profissional, infelizmente vemos acontecer o inverso no nosso país com iniciativas como esta do governo federal.