Dispensação: ato privativo do farmacêutico – um pouco de história


Estas minhas palavras possuem como objetivo mostrar aos colegas farmacêuticos sergipanos a evoluçãoao longo do tempo, - destacando-se a legislação, regulamentos e recomendações de fóruns - do conceito de dispensação de medicamentos, a partir da Lei nº 5.991/73 até os dias atuais, em que o Conselho Federal de Farmácia (CFF) busca a uniformização deste conceito, inserido no campo dos serviços farmacêuticos. O CFF defende que a dispensação deve se manter uma atribuição privativa do farmacêutico. 

 

O conceito de dispensação presente na Lei nº 5.991/73 se limita ao fornecimento de um produto, sem qualificar esta entrega e sem mencionar a participação do farmacêutico nesse processo, tampouco a necessidade de orientação complementar para o que se está “entregando” ao cliente/usuário. 

 

Em 1981, quando o ex-presidente João Figueiredo aprovou o Decreto nº 85.878, a dispensação de medicamentos a partir de fórmulas magistrais e farmacopeicas passa a ser uma atribuição privativa do farmacêutico.  

 

Com o processo de redemocratização do país, a Central de Medicamentos – CEME, em 1988, realizou o I Encontro Nacional de Assistência Farmacêutica e Política de Medicamentos. O Relatório final daquele evento foi apresentado por temas. O Tema III tratava do novo modelo assistencial em face da nova ordem institucional. Uma das recomendações contidas no relatório tratou da dispensação de medicamentos, recomendando sua proibição sem a presença ou a supervisão do farmacêutico, afirmando-se que a dispensação seria uma atividade técnico-científica de orientação quanto ao uso de medicamento   

 

Com a desativação da CEME ocorrida em 1997, o Ministério da Saúde (MS), de maneira absolutamente participativa e democrática, construiu e aprovou a nova Política de Medicamentos (PNM) para o Brasil, por meio da Portaria MS nº 3.916, de 30 de outubro de 1.998. No glossário contido no texto da Política aprovada, o termo dispensação mereceu destaque, definindo que tal ato seria privativo do farmacêutico, com a consequente orientação do paciente sobre o uso adequado do medicamento. 

 

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar os reajustes de preços e a falsificação de medicamentos, materiais hospitalares e insumos de laboratórios, de 2000, vincula a dispensação apropriada como estratégia para a implementação do uso racional de medicamentos. 

 

Em 2001, o CFF aprovou a Resolução nº. 357, que dispôs sobre as Boas Práticas de Farmácia. O texto da resolução, tido até hoje como contemporânea e uma das melhores construções do CFF sobre tema, estabeleceu como ato privativo do farmacêutico a dispensação de medicamentos vinculando-o à devida orientação.  

 

A então Secretaria de Políticas de Saúde de Saúde (SPS) do MS, também em 2.001, publicou o primeiro material instrucional sobre o tema assistência farmacêutica, intitulado “Assistência Farmacêutica na Atenção Básica – Instruções Técnicas para sua Organização”. Este material apresenta o Ciclo da Assistência Farmacêutica, como um consenso ocorrido em 1.999, com a participação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). A dispensação foi inserida como uma etapa do ciclo da assistência farmacêutica. O conceito adotado para a dispensação foi aquele contido na PNM. 

 

O MS, em 2003, realizou a 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, cujo tema central foi “Efetivando o Acesso, a Qualidade e a Humanização da Assistência Farmacêutica, com Controle Social”. O relatório final da conferência apresenta, num universo bastante extenso de recomendações, algumas que merecem destaque, associando a dispensação às necessidades de estrutura física, supervisão farmacêutica e cumprimento da Lei nº 5.991/73, no que tange à presença do farmacêutico nos estabelecimentos que dispensem medicamentos. 

 

A OPAS organizou, em 2003, com a participação de colegas farmacêuticos brasileiros, o livro intitulado “Assistência Farmacêutica para Gerentes Municipais. Além de este material estabelecer oportunidades ímpares para a contribuição do farmacêutico ao uso racional de medicamentos, apresenta o conceito de dispensação de medicamentos semelhante à da PNM, com pequenas diferenças. O conceito foi extraído de outra publicação da OPAS intitulada “Glosario de Medicamentos: DesarrolloEvaluación y Uso, de 1.999, cujo autor é o professor da Universidade do Panamá, Tomás D. Arias. Mantem-se a dispensação de medicamentos como ato privativo do farmacêutico vinculando-a a devida orientação e informação ao paciente. 

 

O livro da OPAS traz um quadro sobre as determinações da Anvisa, de 2002, quanto à prescrição e dispensação de medicamentos genéricos. A dispensação, sob o olhar da Anvisa, é dependente de um ato farmacêutico. 

 

Destaque deve-se dar sempre quando citarmos a publicação do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF), de 2009, intitulada “Diretrizes para estruturação de farmácias no âmbito do Sistema Único de Saúde”, concebida, conforme consta no prefácio, no intuito de propiciar condições para a dispensação qualificada dos medicamentos e para o atendimento humanizado, na busca da garantia do uso racional dos medicamentos. 

 

No que concerne ao capítulo que trata dos serviços farmacêuticos, o documento os divide em técnico-gerenciais e técnico-assistenciais. A dispensação foi inserida como um dos serviços classificados como técnico-assistenciais. O conceito de dispensação utilizado se reporta àquele da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 1993, cuja publicação intitulada “El papel del farmacêutico em el Sistema de Atención de Salud” foi traduzida para o português numa parceria OPAS e CFF – Aquele livreto azul do CFF! 

 

O material do DAF se reporta, também, àquela publicação da OPAS, de 2003, já citada anteriormente, onde se afirma que o momento da dispensação é muitas vezes o único com o farmacêutico, antes do início do tratamento. 

 

Quanto à RDC Anvisa nº 20, de 05/05/2011, (substituiu a RDC Anvisa nº 44, de 2010) que tratou do controle de medicamentos à base de substâncias antimicrobianas, apresentou um capítulo específico sobre dispensação e retenção de receita. O texto, como aprovado, mereceu elogios dos farmacêuticos, não somente por estar em conformidade com o texto da Resolução CFF nº 542, de 19/01/2011, mas por vincular a dispensação de antimicrobianos a um ato dependente da ação do farmacêutico. 

 

Deve-se destacar a realização, em Brasília, pelo CFF, da I Oficina sobre Serviços Farmacêuticos em Farmácias Comunitárias. Contando com ampla representação, os participantes, em sua maioria com experiência na área clínica da Farmácia, se reuniram com o objetivo de reflexão sobre as práticas profissionais do farmacêutico, propondo estratégias e alinhar conceitos que irão subsidiar futuras ações do CFF. 

 

Como resultado da Oficina, foi construído um documento – está sob consulta pública no “site” do CFF sob o título “Serviços farmacêuticos: Contextualização e arcabouço conceitual com o objetivo de descrever os serviços farmacêuticos a serem desenvolvidos em farmácias comunitárias. 

 

O que se quer, efetivamente, é estabelecer um novo marco conceitual, pelo CFF, que reforce o novo papel social do farmacêutico. E que possa harmonizar conceitos, definindo que os serviços farmacêuticos são aqueles prestados pelo farmacêutico para atender às necessidades de saúde do paciente, da família e da comunidade, neles incluído a dispensação de medicamentos. 

 

O documento em elaboração no CFF aponta pela manutenção da privatividade do farmacêutico, a dispensação de medicamentos. Na busca da harmonização de conceitos, o termo dispensação de medicamentos apresentado pelo CFF é uma adaptação do conceito estabelecido na PNM, conforme apresentado a seguir: 

 

é o ato profissional farmacêutico de proporcionar medicamentos e outros produtos a um paciente, geralmente em resposta à apresentação de uma receita elaborada por profissional autorizado. Neste ato, o farmacêutico informa e orienta o paciente sobre o uso adequado dos medicamentos, sua conservação e descarte. 

 

A dispensação é uma atividade privativa do farmacêutico, que tem por finalidade propiciar o acesso e o uso adequado do medicamento. Entende-se, também, que este serviço deve ter seu processo de trabalho e orientação ressignificados no Brasil, de modo a possibilitar a exploração de todas as suas potencialidades enquanto serviço clínico”. 

 

Por fim, concluo estas minhas palavras citando, novamente, a Resolução CFF nº 357, de 2001, em que os colegas que a construíram assim estabeleceram no artigo 20: 

 

A presença e atuação do farmacêutico é requisito essencial para a dispensação de medicamentos aos pacientes, cuja atribuição é indelegável, não podendo ser exercida por mandato nem representação.  

 

Que assim sempre seja! 

 

Vanilda Oliveira Aguiar  

Conselheira Federal de Farmácia pelo Estado de Sergipe