Reflexões sobre a ética e o exercício do profissional farmacêutico

A vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia de Sergipe, Clara Raíssa Rocha, reflete a respeito da ética na profissão farmacêutica


Falar sobre a ética e consciência, nos dias de hoje, à primeira vista pode parecer fácil; aliás, muito se discute a respeito. Contudo, quando se extrapola do plano da retórica e se reflete sobre a vivência das pessoas e grupos sociais, pode-se sentir certa perplexidade ao perceber que alguns dos principais valores morais são vistos como superados. Na verdade, a conclusão mais evidente é que a sociedade atual convive com profunda crise de valores. Diante disso, faremos uma análise bem resumida dessa problemática tão constante em todas as áreas e, principalmente, na área de Saúde.

 

Para iniciar uma reflexão sobre Ética, pergunta-se o que é ética? Destaca-se entre outras definições, a contribuição de Pessini e Barchifontaine, quando afirmam que

 

A palavra Ética vem do vocábulo grego éthos, que tem duplo sentido. Em primeiro lugar, significa “morada”... Em segundo lugar, éthos significa caráter, isto é, modo de ser adquirido, espécie de segunda natureza. (1991, p.76) 

 

Quando se estuda a Ética, tem-se conhecimento de uma parte da filosofia que se preocupa com a moral, seus problemas e juízos.  Contudo, não podemos confundir ética e moral, pois, de uma maneira abrangente, ética é definida como a ciência da conduta; já a Moral está preocupada na formação de um conjunto de condutas, destinadas a assegurar uma vida em comum, de maneira justa e harmoniosa.

 

A ética profissional é uma parte da ciência moral. Mais do que limitar-se a um feixe de normas, ela age no campo de ação do indivíduo, em seu meio social, onde no trabalho e, em certos casos, a carreira profissional, o conceito e a prática da Ética é essencial, por inserir o indivíduo dentro dos padrões de sua sociedade e assim, interagir em consonância com valores que norteiam sua inserção no processo social produtivo.

 

Sendo assim, lançamos mão da visão de ética profissional com Pessini & Barchifontaine, (1996, p.79) quando dizem que a ética profissional

 

procura a humanização do trabalho organizado; isto é, procura colocá-lo a serviço do homem, da sua promoção, da sua finalidade social. É tarefa ainda da ética profissional detectar os fatores que, numa determinada sociedade, esvaziam a atividade profissional tornando-a alienada. Mais do que formular determinadas normas e cristalizá-las num código, é tarefa da ética profissional realizar uma reflexão crítica, questionadora, que tenha por finalidade salvar o humano, a hipoteca social de toda atividade profissional.

 

Considera-se como princípios básicos para a formação do caráter ético e para dotação do profissional da área da Saúde a justiça, a bondade, o respeito, a autonomia, a beneficiência, a não - maleficência, solidariedade, sigilo, preservação da vida (humana/ambiental) e a índole para alívio do sofrimento. Na mesma linha de raciocínio, ressalta-se a noção de consciência profissional. A consciência resulta, pois da ação intelectual, ao emitir juízo a respeito do acerto ou do erro de determinado fenômeno. Nesse processo, emerge prontamente uma série de princípios éticos, os quais se aplicam aos momentos concretos e particulares, com que nos deparamos no cotidiano pessoal, profissional e em outras interações.

 

Diante do exposto, pode-se inferir que, quando se trata da valorização, e preservação da vida humana, sob o princípio da dignidade e da igualdade de oportunidades, a Ética é a bússola que norteia a consciência e a ação profissional de farmacêuticos e de outros trabalhadores que atuam em diferentes campos, especialmente naqueles da área da Saúde.

 

No Brasil, o decreto 20627 de 09 de novembro de 1931, veio revogar as disposições relativas ao exercício da Área de Farmácia para admitir que o comércio farmacêutico pudesse ser exercido também por sociedade mercantil, composta de leigos, desde que este profissional detivesse pelo menos 30% do capital social. Essa norma legal vigorou de 1931 a 1973, gerando distorções graves, prejudicando toda a classe farmacêutica, com reflexos nos dias atuais. Com a entrada, por volta de 1946, das multinacionais farmacêuticas e, com elas, a geração dos medicamentos industrializados, o farmacêutico brasileiro perdeu lugar para leigos, que apenas repassam o medicamento à população.


Se, antes, a ênfase localizava-se na cura, agora, a preocupação deslocou-se para a comercialização e lucros.

 

No decorrer dos anos, os currículos dos Cursos de Farmácia no Brasil foram alterados e, em função dessa nova visão, o Farmacêutico começou a atuar prioritariamente em outras áreas como: indústria de medicamentos, indústria de cosméticos, indústria de alimentos, análises clínicas e toxicológicas, entre outras, em detrimento da farmácia, seu “habitat” original. Utilizando a terminologia de Zubioli (1992, p.64), o Farmacêutico passou apenas a “assinar” pelo estabelecimento. Deixou, assim, de realizar atividades típicas de farmácia, correndo o risco de omitir-se em relação à responsabilidade de prestar a assistência necessária à população.  Quando age dessa forma, torna-se cúmplice, junto à empresa, do não cumprimento da lei. Não podemos esquecer que, a farmácia como local de referencia da população é um problema de Saúde Pública, por que nela é feita a distribuição e manipulação de medicamentos, exigindo conhecimento de nível universitário, por suas implicações na saúde da população. Diante da breve exposição, pode-se dizer que alguns farmacêuticos talvez tenham perdido a sua identidade profissional e os valores éticos que a fundamentam. Esse problema fica claro quando se constata que, no inter-relacionamento entre farmacêuticos, ocorrem freqüentes divergências, ao ponto de alguns profissionais posicionarem-se contrários às decisões tomadas pelas associações, sindicatos e Conselhos Regionais de Farmácia, que os protege e legitima a profissão.

 

Nos cursos de Farmácia, a Ética é estudada mais especificamente na Disciplina de Deontologia e Legislação Farmacêutica. Essa disciplina tem como objetivo geral dar subsídios ao aluno, para que ele possa, ao término do Curso, exercer conscientemente a profissão de Farmacêutico, tendo por base os conhecimentos indispensáveis sobre a legislação farmacêutica específica e o código de Ética da profissão, relacionados ao contexto sócio - econômico nacional e seus reflexos na política de Saúde.


De uma maneira bem ampla os Conselhos Federais de classe foram criados para regulamentar o exercício das profissões, com a finalidade maior de supervisionar a ética profissional. Essas instituições resultaram das reivindicações de diferentes categorias profissionais interessadas no crescimento e estabilidade da profissão. Os Conselhos Regionais são uma extensão dos Conselhos Federais.

 

Dentro dos conselhos, seja no âmbito regional ou federal, existem em caráter permanente as Comissões de Ética, que nascem da necessidade de se dar resposta aos graves dilemas éticos que surgem na prática das várias profissões.

 

Toda a atividade profissional exercida por farmacêuticos, no Brasil, é fiscalizada pelo Conselho Federal de Farmácia que, para tanto, conta com a ação executiva dos Conselhos Regionais de Farmácia (CRFs). Os Conselhos – seja no âmbito  Federal e Regional - foram criados, no dia 11 de novembro de 1960, pela Lei 3.820, assinada e sancionada pelo Presidente Juscelino Kubitschek.

 

A Ética, em sua abrangência, é o ponto focal das atividades do Conselho Federal de Farmácia e significam, em última instância, o bem-estar e a segurança da sociedade, diante da atividade do profissional farmacêutico e precisa ser constatemente consultada para refletir os valores necessários ao exercício desta profissão tão bonita e necessária a população.