Fiocruz cria insumo 100% nacional para uso no teste rápido da leishmaniose

O produto poderá ser usado tanto para a população humana quanto canina, sendo o primeiro com essa dupla eficácia


A Fiocruz Pernambuco criou um insumo 100% nacional para ser agregado ao teste rápido de triagem para diagnóstico da  leishmaniose visceral (LV). O produto poderá ser usado tanto para a população humana quanto canina, sendo o primeiro com essa dupla eficácia. O insumo já passou por avaliação em laboratórios e, em breve, iniciará a fase de campo. A LV é uma doença infecciosa, transmitida pelo mosquito palha, que pode acometer homens e animais, tendo os cães domésticos como principais reservatórios da enfermidade. A falta de tratamento em humanos pode levar a óbito em 90% dos casos, de acordo com o Ministério da Saúde (MS).

A proteína produzida na Fiocruz PE é encaminhada sob temperatura específica, para garantir sua estabilidade, para o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), no Rio de Janeiro, que agrega o insumo ao dispositivo do teste rápido sorológico.

Para a nova etapa, além da qualificação da tecnologia, a pesquisa foi aprovada no edital Inova Ceis, uma parceria do MS com a Fiocruz. Serão garantidos mais de R$ 800 mil para os trabalhos pelos próximos 3 anos. O resultado do edital foi divulgado no último mês de março e o financiamento já foi iniciado agora em abril.  

A equipe da Fiocruz conseguiu criar em laboratório diferentes versões de uma proteína sintética gerada a partir da união de fragmentos de diversas proteínas do protozoário causador da leishmaniose visceral, o Leishmania infantum. Com essa nova proteína (ou antígeno recombinante) feita em laboratório, é possível a interação com o anticorpo presente no homem ou animal positivo para LV, identificando se aquela amostra está ou não infectada pelo causador da doença.  

A proteína produzida na Fiocruz PE é encaminhada sob temperatura específica, para garantir sua estabilidade, para o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), no Rio de Janeiro, que agrega o insumo ao dispositivo do teste rápido sorológico. O Instituto também participou das etapas prévias de desenvolvimento e avaliação do teste proposto.  

Outra inovação do novo antígeno é que ele apresentou eficácia tanto em cães sintomáticos quanto nos assintomáticos positivos para a leishmaniose visceral, melhorando a aplicabilidade do exame em relação aos já existentes no mercado. A expectativa é que o novo antígeno produzido possa ser agregado ao teste rápido sorológico utilizado no Sistema Único de Saúde (SUS) ao finalizar todas as etapas necessárias. Atualmente, não há nenhum produto nacional com essa eficácia, sendo preciso importar um insumo utilizado no teste para humanos e outro para o de cães.  

Esse achado é fruto de um trabalho de mais de duas décadas realizado na instituição, e iniciado a partir de uma colaboração com a Fiocruz Bahia. Os esforços envolveram estudantes de pós-graduação e de bolsistas de pós-doutoramento. Nas etapas mais recentes, tiveram atuação crítica a bióloga Hemilly Silva e a biomédica Adalucia da Silva, atualmente pós-doutorandas da Fiocruz PE, e o biomédico Wagner Tenório dos Santos, oriundo de Pernambuco e que continua como colaborador em Bio-Manguinhos. O projeto é coordenado pelo biólogo Osvaldo Pompílio de Melo Neto, pesquisador da instituição e orientador do Programa de Pós-Graduação em Biociências e Biotecnologia em Saúde da Fiocruz PE, e do Programa de Pós-Graduação em Genética da UFPE. 

"A disponibilidade de um novo teste rápido, eficiente, acessível e com tecnologia produzida no país, responde a uma demanda de saúde pública no Brasil e deve contribuir positivamente nas estratégias de controle da leishmaniose visceral, uma doença ainda negligenciada e que tem na Fiocruz uma instituição que mantém seu olhar voltado a entender e criar soluções para combatê-la e tratá-la. Esse trabalho faz parte dos esforços de uma equipe que vem se dedicando há anos ao tema e é gratificante ver que, apesar dos percalços na ciência no nosso país, conseguimos ter uma produção de qualidade e que pode beneficiar nossa população", afirma a bióloga Hemilly Silva.   

Osvaldo Pompílio ratifica que, "até o momento, os métodos de triagem diagnóstica da leishmaniose visceral levantam alguns questionamentos. Os melhores são mais complicados, difíceis de fazer e caros. Outros, mais baratos, possuem maior probabilidade de dar resultados inconsistentes, com falsos positivos e falsos negativos. Além disso, as tecnologias importadas tornam a aquisição cara para o país. O nosso método é mais barato e rápido, com a mesma lógica do teste rápido de Covid-19. Ele não precisa de nenhuma infraestrutura. Também conseguimos um método com eficácia para a triagem humana e canina. Não adianta a pessoa estar sadia se há um cão próximo infectado e não diagnosticado, tornando possível o mosquito picar o animal e transmitir para o humano. O ideal é diagnosticar ambos". 

A doença

A leishmaniose visceral é transmitida pela picada do inseto chamado flebotomíneo ou, popularmente, mosquito palha. A fêmea desse mosquito precisa picar um cão infectado, que funciona como principal reservatório em área urbana do protozoário Leishmania infantum, e depois picar o humano, transmitindo a doença. No homem, a enfermidade é considerada crônica e sistêmica, podendo atingir diversos órgãos. Ela pode causar anemia, perda de peso, fraqueza, febre de longa duração, aumento do fígado e do baço. O diagnóstico precoce e início do tratamento em tempo oportuno são essenciais para evitar agravamento e complicações, inclusive o óbito. O tratamento é disponibilizado gratuitamente pelo SUS.