Departamentos de Farmácia da Universidade Federal de Sergipe – Campus Lagarto e São Cristóvão – emitem nota técnica sobre Dispensário e Dispensação de Medicamentos


Após fala da secretária de Saúde de Aracaju, Waneska Barboza, sobre o papel do farmacêutico em Unidades Básicas de Saúde (UBS´s), sob alegação de que o ato de dispensar medicamentos é apenas uma entrega, não necessitando, portanto, de orientação, os Departamentos de Farmácia da Universidade Federal de Sergipe – Campus Lagarto e São Cristóvão – emitiram Nota Técnica sobre Dispensário e Dispensação de Medicamentos.

Confira a Nota na Íntegra:

Considerando o discurso realizado pela Secretária Municipal de Saúde Waneska Barboza em audiência pública na Câmara Municipal de Aracaju, revela-se, de plano, a fragilidade de sustentação técnica e desconhecimento sobre as regulamentações da dispensação de medicamentos no Brasil. Vimos esclarecer e retificar conceitos e posicionamentos jurídicos referentes à matéria.

Dois termos mencionados e que merecem esclarecimento foram: dispensário e dispensação de medicamentos.

Dispensário de medicamentos foi um termo descrito em 1973, na Lei nº 5991, a qual dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, como:

XIV – Dispensário de medicamentos – setor de fornecimento de medicamentos industrializados, privativo de pequena unidade hospitalar ou equivalente;

Na década de 1970, os dispensários de medicamentos eram abertos nos menores municípios do país, em geral distantes das capitais e mediante a autorização legal específica. Esses locais normalmente eram abertos por meio político e muitas vezes eleitoreiros. Portanto, a interação com o paciente se reduzia a mera entrega de medicamentos. Na época, a existência de dispensários se justificava pela falta de cursos de Farmácia em muitas unidades da federação. Desta forma, não havia profissionais farmacêuticos em número suficiente para todas as unidades de saúde, clínicas e hospitais. Em consequência, diversos estudos da literatura nacional e internacional apontam para o problema da morbimortalidade relacionada a medicamentos, alto índice de intoxicações associadas ao uso de medicamentos e, ainda, a necessidade de identificar e comunicar a ocorrência de efeitos adversos decorrentes do uso desses produtos, o Ministério da Saúde publicou em 2002 a Portaria nº 1017 que estabeleceu que:

Art. 1º - As Farmácias Hospitalares e/ou dispensários de medicamentos existentes nos Hospitais integrantes do Sistema Único de Saúde deverão funcionar, obrigatoriamente, sob a Responsabilidade Técnica de Profissional Farmacêutico devidamente inscrito no respectivo Conselho Regional de Farmácia.

No que se refere ao termo DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS, segundo o Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde [2020] ¹:

A dispensação de medicamentos envolve a análise dos aspectos técnicos e legais da prescrição, provisão de intervenções e produtos para a saúde ao paciente, a orientação sobre o uso adequado e seguro, seus benefícios, conservação e descarte. Assim, acontece dispensação quando, de forma geral, ocorre a provisão de medicamentos e das orientações que o usuário precisa para utilizar corretamente o medicamento, avaliando-se a necessidade, efetividade, segurança e conveniência do tratamento. Dessa forma, a realização do serviço demanda da expertise do farmacêutico por seus vastos conhecimentos, habilidades e atitudes.

O termo também consta na Lei nº13.021 de 2014, que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas, como uma atividade realizada por essa categoria profissional;

Art. 14. Cabe ao farmacêutico, na dispensação de medicamentos, visando a garantir a eficácia e a segurança da terapêutica prescrita, observar os aspectos técnicos e legais do receituário.

Nesse ato, que é privativo do farmacêutico, que se situa entre a prescrição e a administração do medicamento, o que lhe permite uma posição estratégica para a promoção do medicamento de maneira adequada. Assim, a dispensação representa uma das últimas oportunidades de identificar, corrigir ou reduzir possíveis erros associados à farmacoterapia.

Importante destacar que a morbimortalidade relacionada ao uso de medicamentos é considerada um problema mundial de saúde pública. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os medicamentos são responsáveis por 50% dos danos relacionados aos serviços de saúde, que, se fossem evitados, gerariam uma economia de US$ 42 bilhões em todo o mundo. Uma revisão sistemática de 70 estudos com mais de 300 mil indivíduos mostrou que pelo menos 20% dos pacientes são vítimas de danos preveníveis durante a assistência médica, sendo a maioria relacionada a medicamentos. Esse estudo aponta ainda que quase 12% desses danos resultam em incapacidade permanente ou morte e poderiam ser evitados com a oferta de serviços clínicos como a dispensação.  No Brasil, outro estudo realizado no Sistema Único de Saúde (SUS) mostra que a morbimortalidade relacionada a medicamentos gera um prejuízo direto e indireto na ordem de R$ 60 bilhões, valor quatro vezes superior ao gasta para abastecer todo sistema com medicamentos.

Portanto, “a dispensação enquanto serviço integrado às ações de saúde na rede de atenção tem como elementos norteadores a promoção do uso racional de medicamentos para população e a efetiva participação do farmacêutico”. Por outro lado, na simples entrega do medicamento nem todas as informações necessárias para o uso correto estão asseguradas”.

Por fim, vale salientar que na farmácia há uma equipe de apoio técnico essencial para promover o êxito no uso do medicamento. O apoio técnico tem por objetivo garantir acesso aos medicamentos pelos pacientes, e verificar se há a necessidade de que essa pessoa seja avaliada ou orientada pelo farmacêutico. Os recursos humanos envolvidos no serviço devem estar sob supervisão de farmacêutico, que tem a responsabilidade de treinar e capacitar sua equipe visando a qualificação das ações na entrega de medicamentos aos usuários do sistema.

REFERÊNCIAS

1.      Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Assistência Farmacêutica na gestão municipal: da instrumentalização às práticas de profissionais de nível superior nos serviços de saúde [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2020. 4 v.: il.

2.      Brasil, Ministério da Saúde. Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 ago. 2014.

3.      Cazarim ELCC, Maduro LS, Pereira LB, Cazarim MS, Reis TM. Dispensação de psicofármacos e orientação farmacêutica no balcão da farmácia. In: Atenção Farmacêuticas nas doenças psiquiátricas. São Paulo: Atheneu; 2018.

4.      Angonesi D, Rennó MUP. Dispensação farmacêutica: proposta de um modelo para a prática. Cien Saude Colet. 2011;16(9):3883-91.

5.      Panagioti M, Khan K, Keers RN, Abuzour A, Phipps D, Kontopantelis E, et al. Prevalence, severity, and nature of preventable patient harm across medical care settings: systematic review and meta-analysis. BMJ [Internet]. 2019 [acesso em 26 fev. 2020]; l4185.

6.      Nascimento Júnior JMN, Paganelli MO, Tavares NUL, Soeiro OM, Costa KS. Dispensação: dispensar e entregar não são sinônimos. Uso Racional de Medicamentos: fundamentação em condutas terapêuticas e nos macroprocessos da Assistência Farmacêutica. Set. 2016;1(16):1-5.

7.      Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria Colegiada nº 44, de 17 de agosto de 2009. Dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. 18 ago. 2009 [acesso em 26 fev. 2020].

8.      Brasil, Ministério da Saúde. Lei nº 5991/1973, de 17 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, e dá outras Providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 dez. 1973.