CRF/SE ENTREVISTA FARMACÊUTICA ANA PAULA BELIZÁRIO SOBRE O DIA NACIONAL DA HOMEOPATIA


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Nesta quinta-feira, 21, comemora-se o Dia Nacional da Homeopatia.  A data homenageia a instauração da técnica no Brasil, e serve para informar as pessoas sobre os benefícios do tratamento homeopático. A partir desse contexto, a Assessoria de Comunicação do Conselho Regional de Farmácia de Sergipe (CRF/SE) entrevistou a farmacêutica Ana Paula Belizário, confira na íntegra.

 

O que é Homeopatia?

Homeopatia é uma prática médica sistematizada no século XVIII pelo médico alemão Samuel Hahnemann. Ela é fruto da aplicação do princípio de cura da semelhança para os cuidados com a saúde. Para se cuidar com homeopatia é utilizado medicamentos muito diluídos e que possuem a capacidade de desencadear no organismo reações semelhantes a doença natural que o indivíduo apresenta, constituindo uma “doença artificial”.   A partir desta nova realidade o organismo encontra estímulo para reagir com maior intensidade aos sinais e sintomas da doença, constituindo uma realidade orgânica mais “efetiva” de enfrentamento da doença natural, resultando na melhoria ou total remissão da doença natural com retomada do equilíbrio orgânico.

 

É verdade que este método estuda o doente e não a doença?

Sim. Para se chegar ao medicamento correto a ser usado, pensando em se obter um resultado de cura rápida, suave e duradoura se faz necessário conhecer a individualidade dos pacientes. Pois cada pessoa tem sua forma de adoecer.  Vários fatores devem ser considerados desde sua constituição genética, bem como, toda sua história de vida até o momento da doença atual. Isto se chama individualização do tratamento, pois cada pessoa conte em si uma forma particular para o estabelecimento da sua doença. Por exemplo: úlcera gástrica, em alopatia, de maneira geral, um mesmo medicamento padronizado mundialmente para os cuidados gástricos, omeprazol. Em homeopatia teremos várias opções de medicamento para pacientes com o mesmo diagnóstico, pois cada ser é único com formas diferentes de chegar a mesma doença.  

 

O que envolve o conceito da homeopatia? Princípios, paradigmas conceituais?

1)  A homeopatia emprega em seu cotidiano os seguintes princípios:  

Cura pela similitude: a similitude é um dos princípios de cura dos sistemas médicos onde os medicamentos empregados desencadeiam nos sistemas orgânicos efeitos, semelhante aos sinais e sintomas da doença existente no indivíduo.

Doses infinitesimais: desde sua sistematização a homeopatia utiliza medicamentos diluídos, produzidos por técnica própria (sistema dinamizado). Hoje, com o progresso da ciência, sabemos que substâncias ultra diluídas possuem características físico química próprias e ação biológica.

Experimentação prévia em indivíduos sadios: este princípio também faz parte da base científica da homeopatia. O conhecimento sobre ação farmacológica dos sistemas dinamizados é gerado a partir da experimentação em indivíduos sadios, constituindo um conjunto de informação para seu emprego pelo princípio da similitude nos indivíduos enfermos, desencadeando as ações de melhora ou de cura desejáveis ou possíveis.

Além destes princípios, podemos considerar também, como princípio homeopático, o Medicamento Único: O uso de um único medicamento que expresse a similitude das características e sinais/sintomas dos indivíduos. O que quer dizer isso: para se tratar a doença estabelecida deve ser escolhido um único medicamento, representando a somatória das queixas trazidas pelo paciente no momento da consulta, como resultado do diagnóstico médico que envolve não apenas os sintomas físicos, mais também, os mentais, comportamentais (sua forma própria de ser), e este em seu meio social.

Este princípio, medicamento único, é adotado pela homeopatia unicista (um único medicamento para a totalidade de sintomas do paciente). Já as escolas médicas pluralista e complexista usam vários medicamentos de acordo com a necessidade do paciente (pluralista) ou formulações contendo vários medicamentos juntos (complexista).

Estes princípios foram estabelecidos por Hahnemmann e desde 1810 foram descritos no Organon da Arte de Curar, servindo como base para a prática clínica da homeopatia até os dias atuais. Este conjunto de conhecimento, que orienta a prática desta medicina, se torna cada dia mais atual, estando adequados principalmente a necessidade de abordagem dos indivíduos para o estabelecimento da cura ou para que se evite o estabelecimento da doença (promoção e prevenção) como já apontados e determinados pela medicina contemporânea.

Os princípios da homeopatia, a abordagem individualizada do paciente, este como um ser biológico, unido ao psicológico/espiritual, envolvido com o meio social podem ser considerados uma característica da homeopatia, necessário para sua execução e seu sucesso clínico, pois formam seu conjunto de conhecimento, seu paradigma.

Seu paradigma não divide o homem em partes, não é imediatista e nem determinista (o ser vivo não cabe na regra científica dominante da previsibilidade de todo os aspectos da vida), resumindo, não considera o modelo “homem máquina”.  Optamos por um paradigma holístico onde o ser vivo é visto dentro de sua complexidade e que não segue a ordem ou a conceitos predeterminados, pois o paradigma dominante a tempos já apresenta sinais de incompletude para explicar e ajudar na evolução dos seres vivos, da evolução científica/social da humanidade o que se aplica diretamente a medicina. Há uma relação direta com a sua visão superficial dos seres vivos e suas falhas que se refletem no cotidiano de sua prática.

Na verdade, os princípios da homeopatia nos convida e nos permitem a comparar e repensar nossa prática no contexto da saúde, visando atingir o objetivo máximo da ciência, beneficiar a vida! 

 

Enquanto no Brasil a homeopatia já é reconhecida como especialidade médica desde 1980 pelo Conselho Federal de Medicina, em muitos outros países não se considera essa prática. Por quê?

Acho que a resposta a esta pergunta segue a linha de pensamento da questão anterior no que diz respeito a seus paradigmas. Por assumir desde sua sistematização uma postura diferenciada tanto clínica quanto de pensamento científico em relação a medicina hegemônica, a homeopatia pode ser considerada uma racionalidade médica distinta. Esta condição faz com que várias posturas de negação e de não aceitação como uma prática oficial em alguns países sejam observadas.

Hoje temos a homeopatia sendo praticada em todo mundo. Na Europa temos cerca de 100 milhões de usuários. Cerca de 60% dos alemães utilizam a homeopatia, 43% dos médicos franceses prescrevem homeopatia, na Itália existem 8 milhões de usuários e 8000 farmácias. Nos EUA, 7 milhões de usuários e 6 milhões na Grã-Bretanha. No Brasil estima-se, segundo a Associação Médica Homeopática Brasileira que 10 milhões de pessoas são “homeopatizadas”.

Ações de desregulamentação da Homeopatia são desencadeadas, a meu ver, pelas diferenças existentes em seus conjuntos de princípios, que revelam a necessidade de roupagens científicas distintas. A partir deste ponto, todos os interessados na medicina alopática, ligados e muitas vezes congelados ao pensamento científico que se tornou tradicional movimentam ações de certo ponto negativas contra a prática da homeopatia. Aliado a esta questão temos o capital financeiro e as articulações políticas.

Os interesses que coexistem neste grupo, para a manutenção de sua hegemonia na verdade é e sempre foi um grande estímulo para os grupos ligados a homeopatia. No transcorrer da história vários foram os momentos que estas posturas foram verificadas, fazendo com que os homeopatas fomentam o desejo de demonstrar que sua prática é necessária, consistente e indispensável para o caminhar de qualidade do sistema de atenção à saúde.  De acordo com a OMS a pesquisa científica ligada a homeopatia vem crescendo no mundo, provavelmente como uma resposta a necessidade de fortalecer e afirmar a sua cientificidade. O Brasil está em sétimo lugar em número de trabalhos e com número crescente de atendimentos pelo SUS. 

 

Por que a OMS condena o uso da homeopatia contra doenças graves como a malária, tuberculose, aids, gripe e diarreia infantil? Quais seriam as limitações?

Para responder esta pergunta fui aos textos que circulam e informam a respeito desta questão. “Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”. Este antigo ditado que sempre escutei em minha casa acho que se encaixa bem aqui. Para os cuidados com a saúde uma visão global e alicerçada nas possibilidades consolidadas e/ou sinalizadas pela ciência, bem como, cautela e consciência para uso de qualquer método é primordial. Acrescento aqui a necessidade de ética para a oferta dos serviços. Malária, tuberculose, aids, gripe e diarreia infantil em países em desenvolvimento, quando observo esta frase várias questões são formuladas em minha mente: pelo meu conhecimento porque não a homeopatia para estas doenças? A malária e seu tratamento no século XVIII foi um dos pontos que levou o pai da homeopatia ao encontro do princípio da semelhança e sistematização da mesma, as dificuldades com a tuberculose e AIDS parecem se encaixar nas possibilidades de ajuda da homeopatia se considerarmos a necessidade da participação intensa do sistema imunológico, por exemplo. Gripe e diarreia infantil atendo todos os dias em minha farmácia e assim foram minhas filhas (estas somente com homeopatia). Quais seriam as limitações? De quais limitações devemos falar? Da medicina que é ofertada de forma desigual as comunidades do mundo (países em desenvolvimento citados nos textos), da diarreia infantil que mata no país citado, África do Sul, dos pacientes com AIDS que além da doença são desassistidos de oportunidades mínimas: coma a de uma alimentação digna e que vivem em regimes políticos violentos que consomem armas dos países “civilizados” proporcionando o lucro da indústria bélica?

Bem, acho que a solicitação realizada a OMS por este grupo de profissionais médicos está correta, pois sob estas condições fica difícil, não se pode perder o foco de qualquer outro método de tratamento ou cura. Não há espaço para o que os mesmos observam: uma alternativa ou uma mera tentativa, a homeopatia, pois não há espaço para a vida. 

 A OMS estimula o uso e a regulamentação da homeopatia em seus textos originais, porém o mundo é desigual e em muitos momentos não há espaço para alternativas e principalmente se conduzidas de forma indevida.

 

Trata-se de um método eficaz? Quais os principais benefícios? Explique com exemplo se possível. 

Sim. Restabelecer de maneira rápida, segura e duradoura, como dizia Hahnemann, a saúde do indivíduo ou das comunidades. Deixo aqui duas possibilidades de leitura: Título: Avaliação da efetividade de medicamentos homeopáticos em ensaios biológicos de gastroproteção e cicatrização por segunda intenção. Este trabalho demonstra de maneira científica e nos padrões da ciência tradicional a efetividade, como o próprio nome propõe, dos medicamentos homeopáticos em duas situações. Pesquisa básica e que retira, por exemplo, a possibilidade da subjetividade e do efeito placebo tão citado como possibilidade para a ação da homeopatia. A gastroproteção sem uso dos tradicionais medicamentos alopáticos é um grande benefício, pois quanto menos podermos expor o organismo a efeitos colaterais e a possibilidade de doenças iatrogênicas mais vantajoso é para todos.

A segunda sugestão de leitura: Siqueira CM, et al., Homeopathic medicines for prevention of influenza and acute respiratory tract infections in children: blind, randomized, placebo-controlled clinical trial, Homeopathy (2015).

As observações destes dois trabalhos poderão demonstrar e esclarecer sobre a possibilidade de uso da homeopatia para duas realidades muito comuns no cotidiano dos cuidados com a saúde/doença.

 

Quais doenças é capaz de curar?

Acredito que a maioria das doenças crônicas não transmissíveis presentes em nosso cotidiano são possíveis de uma intervenção benéfica da homeopatia. Se não curando, melhorando e restabelecendo uma condição viável para os pacientes. Neste momento vale lembrar que a princípio devemos estar focados no indivíduo que possui a doença e em sua individualidade, como uma das formas de alcançar o sucesso desejado. Em outras doenças, como as transmissíveis, vale a pena pontuar a possibilidade de ajuda da homeopatia, podendo ter grande utilidade não apenas os medicamentos homeopáticos, mas também, o uso conjunto da homeopatia com outras opções terapêuticas a exemplo da fitoterapia e da alopatia. As fases agudas das doenças não devem ser desconsideradas para o uso da homeopatia. A mesma pode ser empregada com bastante sucesso, claro se observado o indivíduo doente e todo o seu contexto de vida.

 

Os medicamentos homeopáticos podem ser vendidos sem prescrição médica?

Se observarmos os princípios da homeopatia e a necessidade de individualização do paciente e consequentemente do medicamento diria que não. Devemos trabalhar para que as pessoas que desejem se tratar pela homeopatia possam ser atendidas por um profissional habilitado para adequada anamnese, seleção e prescrição do medicamento homeopático, constituindo, uma grande condição para a cura. Em que condições devem ser adquiridos sem prescrição médica? Quando o farmacêutico habilitado para a função em relação aos aspectos clínicos e particulares da terapêutica homeopática, baseado nas necessidades do paciente, julgar viável a sua intervenção pensando na promoção, proteção, prevenção e recuperação da saúde, respeitando a doença que o indivíduo apresenta, estando o mesmo preparado e possuindo habilidades e competências para este contexto.  

 

Existem muitos medicamentos homeopáticos? Quais são os disponíveis no SUS? São de fácil acesso?

Sim. Existem muitos medicamentos homeopáticos. A matéria médica deve possuir quase 2000 medicamentos. Existem, ainda, aqueles que não estão catalogados neste livro. No SUS, em regiões que possuem oferta desta especialidade, normalmente se busca viabilizar a montagem de uma farmácia em virtude das especificidades do receituário se considerarmos a questão da individualização. Existem entre os medicamentos homeopáticos aqueles que são muitos prescritos (policrestos e semipolicrestos), porém, mesmo uma farmácia possuindo apenas estes, ainda ficamos incompletos para o atendimento das prescrições se trabalharmos no pensamento da individualização. O acesso ao medicamento ainda é complicado, apesar de haver experiências no sistema que conseguem possuir sua própria farmácia. De maneira geral, o paciente adquire seu medicamento nas farmácias particulares existentes em sua região. Apesar dos medicamentos homeopáticos possuírem preço baixo, o acesso ainda é um problema.

 

Quais os principais desafios dessa prática, principalmente na atuação do farmacêutico?

O dia a dia. Sobreviver com qualidade, bons resultados clínicos, a mais de 220 anos, frente a todos as questões que foram colocadas aqui, principalmente as ligadas as questões científicas que possibilitam um entendimento pouco real das verdades da homeopatia. O farmacêutico precisa ser aquele que auxilia no enfrentamento desta realidade, com conhecimento aprofundado, criando condições para o desenvolvimento e ampliação dos serviços, tanto a nível público como privado. Cada paciente que atendemos requer de nós de nossa equipe um preparo para não apenas entregar o medicamento e sim exercer um trabalho de afirmação dos princípios da homeopatia na certeza de sua colaboração para melhoria da qualidade de vida de nossa sociedade.

 

Como você explicaria os benefícios da homeopatia para uma pessoa que não acredita de jeito nenhum?

Tentando colocar à disposição desta pessoa todo conhecimento possível, indicando leituras e torcendo para que ela consiga realizar uma reflexão a partir do conhecimento que já possuiu sobre o que é se cuidar e ter saúde e o que a homeopatia propõem. Ou quem sabe, convidando a mesma para passar um dia na farmácia e acompanhar o prazeroso dia de trabalho de um farmacêutico homeopata recheado de boas conversas ao balcão que giram em torno da melhoria dos pacientes com a homeopatia, bem como, os desafios que o tratamento traz ao paciente e como o mesmo passa a entender o que é se tratar e se manter saudável.